Onze mil portas.

Em uma certa manhã de lua cheia, um triste sorriso estampava os olhos do Senhor Ninguém. Desenhava com desdém a silhueta de uma mulher sem corpo e, de vez enquando, olhava pelo vidro da janela esperando que alguma luz passasse por entre as carregadas nuvens claras. Nada fazia sentido, nada parecia ter forma, e o destino tão incerto sobrecarregava suas costas. Um pássaro branco entrou rastejando pela porta, o teto pareceu tremer enquanto o chão se abria abaixo de seus pés. Como num pesadelo horrível, o final feliz estava longe de ser atingido. O céu negro matava qualquer esperança de que os sonhos que tivera na noite passada pudessem se tornar realidade algum dia. E aquela eterna madrugada nunca terminava, nunca tinha um fim. Caía, com o pincel na mão, sem mais saber aonde estava ou pra onde iria. Por quem? Pra quem? Por que? Onze mil portas estavam em volta dele e cada parte do seu corpo parecia querer uma. Optou pela do meio, com medo do que viria. Por quem ele procurava? Por que ele continuava? Pra quem ele queria mostrar que ainda podia servir para algo? Ó, a loucura! Finalmente abriu a porta da loucura! E entrou, clareando o céu de seu próprio mundo, trazendo falsa alegria ao seu morto sorriso, vivendo algo que não existia. Tinha certeza de que viver sozinho seria melhor. Sempre soube que aquele mundo não era pra ele. Ah, a calma! Finalmente pôde desfrutar da calma que é não ter que se preocupar com o que está no mundo real. Se entregou e pôde dormir, sob a linda escuridão do sol em plena meia-noite.

Por algo melhor.

Estremeça, enlouqueça, abale as estruturas de uma sociedade toda (mal)organizada. Modifique, mortifique todos os princípios injustos, todas as justiças que julgam o que é certo e o que é errado.
Mostre, demonstre o que devemos ser à quem não sabe lidar com situações precárias e delicadas.
Triture, pulverize qualquer tipo de preconceito.
Reconstrua, desenvolva novos conceitos a serem seguidos, e guie o mundo como um labrador guia um deficiente visual.
Cuide, sustente quem não tem capital suficiente pra viver decentemente nesse mundo onde o dinheiro vale mais que qualquer outra coisa.
Exclua, expulse qualquer tipo de risco àqueles que querem mudar.
Mude, recomece, por você e por todos.
Abra sua mente e mostre ao mundo suas idéias utópicas.
Seja livre. Seja você.
Seja o que o mundo precisa.
Seja mais.
Seja.

Do outro lado.

Olhava fixo para o nada, sempre com aqueles olhos preguiçosos. Lembranças de um tempo tão distante lhe passavam pela cabeça, ao mesmo tempo em que o vento forte batia em seus lisos cabelos. Pessoas passavam à sua frente, mas ele não via ninguém. Sua mente não conseguia pojetar imagem alguma, senão a de seu falecido pai.
- Papai, eu posso domir na casa do Guto hoje?
- Só se você não se esquecer de agradecer aos pais dele, filho. Ah, e não se esqueça da sua escova de dente também!
Já não era mais tão pequeno a ponto de ter que pedir a permissão do pai para dormir fora. E, mesmo depois de grande, ele continuava a tratá-lo como um eterno bebezão. Frases como "Não volte tarde hoje" e "Não ande descalço, vai pegar um resfriado" não eram nada incomuns. Nunca gostou desse jeito superprotetor do pai, mas sempre o amou profundamente. Amaria ainda mais se soubesse o que viria.
Pensava sobre a morte e que sentido ela teria senão destruir a felicidade alheia. Talvez a morte servia para nos fazer ver que certas pessoas mereciam mais o nosso valor. Preferia ter morrido junto com o "velho" naquele acidente de carro, mas tudo que conseguiu foi uma perna engessada.

De olhos fechados e braços abertos, começou a rezar. Lágrimas escorreram involuntáriamente pelo seu rosto e era como se uma orquestra inteira tocasse ao fundo, enquanto a imagem de seu pai lhe passava pela cabeça. Como se fosse uma resposta, o vento mudou completamente de direção, de leste à oeste, e pôde sentir um pingo de felicidade, estranho sentimento que não esteve mais apto à receber. Não pôde ter certeza, mas pensou que, de algum modo, aquele fosse um jeito de seu falecido pai lhe avisar que as coisas não funcionavam bem assim. Talvez ele estivesse melhor do outro lado. Talvez ele quisesse avisar ao filho que aquilo não era simplesmente o fim.

Talvez ele só quisesse dizer que coisas importantes simplesmente não têm um fim.

Algo pessoal.

Viver.

Quero dizer: viver? O que seria viver?

Não sei, mas muita gente me diz que é nascer, crescer, completar a escola, a faculdae, achar alguém legal, ser reconhecido profissionalmente, ter filhos, ter netos, morrer. E aí, o que faz disso especial? Viver não é algo especial, algo divino? Então isso não é viver. Talvez só viva quem consegue aquele "algo mais". Talvez um dia esse "algo mais" lhe apareça e você nem vai perceber. Talvez ele apareceu, você percebeu, mas acabou deixando-o escapar por entre seus dedos. Como eu fiz.
Eu quero dizer, não é fácil se sentir especial, não é algo que acontece toda hora. Eu só queria dar um conselho para as pessoas que estão se sentindo assim, especiais: Veja o que é o seu "algo mais" e defenda-o com unhas e dentes. Não deixe isso escapar, pois nada mais vai lhe fazer sentir algo parecido.

Se eu soubesse disso antes, se eu tivesse alguém para me dar esse conselho, seria tudo melhor.

Agora tudo que me aguarda é: uma cama, um cobertor, um travesseiro e o frio.

O mundo artificial de plástico.

O despertador soou, já era hora de se levantar.

Alto, Olhos castanhos, cabelos compridos e bem escuros. Assim era ele. Habilidade estrondosa com escrita, além de “arranhar” com talento, todos os dias, seu violão de 12 cordas. Sofreu de depressão na adolescência e esteve preso ao vício de certas drogas ilícitas. Nem por isso desistiu daquele mundo. Um mundo podre, já jogado na amargura eterna do desperdício. Um total estrago causado pelo homem. Não digo o mundo puro, como era desde os primórdios. Esse sempre foi belo, uma vez que não sofria as interferências irracionais causadas pelo ser que se considera racionalmente superior aos outros. Digo o mundo atual, sem inocência, sem beleza, sem pureza, sem o que se aproveitar, enfim.

Levantou-se, finalmente, e reparou algo estranho logo à primeira vista. Pela janela, soava o doce canto dos pássaros, algo inexplicavelmente raro de se acontecer. Ali, em seu apartamento no 13º andar de um dos prédios mais altos da cidade, não se costumava ouvir nenhum sinal vindo da mãe natureza. Mas, dessa vez, era diferente. Tentou ignorar esse simples acontecimento e se arrumou para ir comprar o pão de cada manhã. Ao sair de casa, outra surpresa. Nada de automóveis altamente poluentes pelas ruas. O máximo que se via eram crianças andando de bicicleta. Não teve tempo de se preocupar com isso. O baque maior veio ao ver um bosque no lugar do, agora extinguido, shopping da cidade. Não conseguindo acreditar no que via, esfregou bem os olhos. Talvez estivesse apenas sonhando, talvez estivesse apenas tendo uma ilusão, vendo o mundo como ele achava que deveria ser. Mas, ao abrir novamente os miúdos olhos, o bosque continuava ali, intacto. Continuou seu caminho até a padaria. O que mais poderia acontecer?

Mas não houveram mais surpresas. Rafa, como era chamado pelos poucos amigos que tinha, voltava para casa, já com seu saco de pães fresquinhos na mão. O susto lhe pegou novamente, ao ver que seu prédio já não estava mais ali. Em seu lugar, apenas um enorme terreno malcuidado. O que estava acontecendo ali? Agora sim, se via realmente desesperado. Será que o mundo que ele tanto odiava esta simplesmente mudando? Isso era bom, era ruim? As pessoas iriam enlouquecer ainda mais? Ou será que elas conseguiriam viver em harmonia novamente? Um caos ainda maior ia tomar conta disso?

Antes que pudesse obter suas respostas, O despertador soou.
Já era hora de se levantar. O mundo real o chamava.

Um espelho para o sol.

Caminhava pelos cantos, com medo de ser atropelado. Já estava andando à dias, e não chegava. Não chegava nunca! Parecia que o destino simplesmente havia desaparecido. Suas pernas não podiam mais suportar o peso de seu corpo. Seus olhos refletiam o brilho de uma mente genial ofuscada pela fadiga. O problema ali não era como ser. Era o que ser.

Continuou, cambaleando, seu caminho. Nem se importava mais em pedir carona, pois, se lhe dessem, teria que explicar para onde ir. E ele não sabia. Nunca soube. Seguia algo que não seria capaz de explicar. Seguia algo maior. Seguia sua sombra.

Faminto, pensou em desistir tantas vezes. Não importaria se o tivesse feito, ninguém sentiria falta. Mas ele, desistir? Era contra as regras do jogo. Sob o canto dos pássaros e os ruídos dos carros que passavam, ele prosseguia. Não procurando um fim, não procurando mais um destino. Se procurando.

Completamente perdido, fingia saber o que estava fazendo. fingir pra quem? Era ele contra o resto do mundo. Sua decepção aumentava a cada milha acumulada. Sedento. Faminto. Fatigado.

Su visão se embaçou e, depois de lutar muito contra a tontura, caiu. Um baque só, era disso que ele precisava. Um forte baque. Finalmente chegara ao seu destino. Nada lhe faltava mais. Ah, o tão merecido descanço eterno!

O vendedor de conselhos

O coração saltava-lhe à boca. Nunca fora desequilibrado quanto à assuntos emocionais, mas dessa vez se via perdido. Tantas outras passaram pelo seu caminho, tantas ainda poderiam vir. Mas agora ele se sentia preso. Tinha algo mais. Tinha algo mais ali, com aquela garota, algo que estava além de seu limitado compreendimento. Entre tantas amantes, porque aquela, justo aquela, tinha lhe chamado tanta atenção? A pobre garota nunca fora namoradeira, era uma moça de família. Seus cabelos cacheados balançavam ao vento, seus olhos brilhavam como os de uma criança e seu sorriso mostrava que ele teria que mudar por ela. Com medo desse sentimento, foi procurar Otávio, o vendedor de conselhos:
- Otávio, eu não sei o que fazer. Me sinto tão atraído por uma garota, eu nunca me prendi a alguém assim! O que devo fazer? Que sentimento é esse?
Otávio não exitou:
- Ora, meu garoto, isso é só o amor. O verdadeiro e único amor! Algo que vai lhe fazer sofrer, lhe fazer chorar. Algo que vai lhe fazer sorrir, lhe fazer feliz, lhe fazer bem. Isso é o amor, cirança. Um paradoxo eterno. Algo que vai fazer você se sentir único. Abra o coração, jovem. Abra o coração para sua amada! Diga-lhe as palavras que tens de dizer e leve-a ao lugar mais bonito que estiver ao alcance dos dois. Apenas ame-a e você vai entender cada palavra que lhe disse!

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“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.”