Abaixo de zero graus

Estava frio! Mas não era um frio comum, era um frio que gelava a alma, deixando claro que não mais haveria felicidade. No pequeno vilarejo, o vento soprava forte, de leste à oeste, arrastando para longe do lugar a alegria que outrora fora marca dos habitantes locais. Ontem, a paz, hoje, a dor. Nos olhos de cada um se via um trauma, um medo que já não dava mais lugar à esperança. Famintos, sedentos e descontentes. Nenhuma tempestade poderia causar tal espanto.

Ruas alagadas pelas lágrimas de cada um, e cada milímetro guardava um segredo. Boiavam, em meio aos sonhos já mortos, lembranças distantes de um tempo bom, um tempo em que o sol ainda brilhava. E veio a chuva, o céu nublado que parecia não ser mais capaz de abrir. Viam-se olhos secos, profundos, nostálgicos. Desejos de partida, disfarçados por sorrisos desdentados. Nada mais a se fazer, uma cena que amargurava o coração.

E, por mais que já fizesse calor, estavam todos frios. Mortos por dentro e, cada vez mais, por fora.

Homens bélicos

Não existiam exceções, nem mesmo ele. Lembrava detalhadamente da voracidade que queimava em seus negros olhos ao fitar o inimigo em seus pesadelos. Parecia ter o poder em suas mãos, mas sua unica posse no momento era uma arma de fogo. Não demonstrava medo, afinal, sua prontidão à luta sempre fora admirada por seus superiores. Bastou o tal dia chegar, e a realidade perfurou árduamente seus momentos ilusórios.
Nem tudo era como ele imaginava, batalhar já não era uma honra. Se antes achava estar ali por qualidades unicas, agora já se sentia como uma marionete. Para que estar ali? O perigo era muito maior do que pensou que fosse, e os motivos de toda essa guerra acontecer pareciam não existir. Por trás daquele monstro, por trás daquele desejo por sangue, a esperteza aflorava. Ele não queria simplesmente guerriar. Não lhe interessava algo que não possuísse um motivo maior. Queria mesmo era salvar alguém, uma pessoa, um grupo, uma pátria. Queria mesmo era ser herói! Mas o que ele salvaria ali? Salvaria a pele de pessoas que mandam demais para estarem em uma guerra, lutando por seus ideais.
Ignorou todos esses pensamentos revoltantes quando o inimigo atacou. Agora era matar ou morrer. Matar sem um motivo, morrer sem um motivo. Vidas e mais vidas tiradas. Familias destruidas, órfãos gerados. Durante o curto tempo que tinha entre um bombardeio e outro, tentava encontrar algo que justificasse isso tudo, que acalmasse um pouco sua mente... Kilômetros e mais kilômetros de cadáveres jogados ao solo, milhares de almas perdidas.
Ele sobreviveu à guerra. Não consegue se lembrar de muita coisa, de que lado jogava ou quem eram seus companheiros. Não consegue mais diferenciar realidade de imaginação. Quer gritar, expor algo que mal sabia o que é. Acorda sem a mínima vontade de abrir os olhos, abrir a janela e ver que outras guerras estão sendo travadas, todos os dias. O mundo se foi, ele é apenas um agora.
"Por favor, Deus, me ajude, me acorde, me liberte."
Não existiam exceções. Não existem exceções. Existem humanos cada vaz mais desumanos.

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“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.”