Como todo dia, acordou às seis da manhã, meia hora mais
tarde que sua mulher. Gastou seus curtíssimos "cinco minutos de sono
extra" sentado na cama. Olhou profundamente para o nada e pensou. Pensou
sobre ontem, hoje, amanhã. Os cinco minutos que costumavam passar num piscar de
olhos, hoje custaram para acabar. Momentos de reflexão exigem mais da mente do
que dormir e, sem saber muito bem o porquê, ele estava envolto em um desses
momentos exigentes.
O silêncio do quarto fora então quebrado:
- Você não vem?
Era sua mulher. "Ela nunca me deixa ter em paz meus
cinco minutos a mais, sempre interrompe no terceiro.", pensou ele.
Dirigindo o olhar aos profundos olhos negros de sua esposa, respondeu com
calma:
- Já estou indo.
Ao chegar na cozinha, reparou no "tic-tac" do
relógio, nas gotas que caíam da torneira já fechada e até mesmo nos pássaros
que cantarolavam doces melodias lá fora. E justo ele que nunca foi de se
importar muito com o que acontecia ao seu redor, hoje parecia dar atenção para
os mínimos detalhes das vidas que o rodeavam. Sentou-se à mesa e serviu-se com
um pouco de café quentinho e uma pitada de açúcar. Sua esposa fez questão de
servir-lhe também um pouco de amor ao passar por trás de sua cadeira e lhe
marcar a bochecha com batom vermelho. Com um sorriso torto, abriu o jornal. Leu
um pouco das desgraças diárias, mas, após uma ou duas notícias, percebeu que
sua mente estava bem distante. Enquanto seus olhos continuavam a passar
(automaticamente) pelas linhas, sua cabeça continuava a viajar por aí. Pensava
no casamento. Pensava no filho que estava passando a semana na casa do amigo.
Pensava na vida que havia construído ao longo dos anos e em como ela havia
saído diferente do que ele um dia planejara. Lembrava da infância e da
adolescência. Entretido com aquela nostalgia toda, mergulhou no tempo e nem
reparou. Pôde se ver de novo com oito anos, jogando futebol na rua sem saída
onde morava. Depois, passou pelos seus quinze anos e seu primeiro encontro.
Vagou um pouco pela igreja onde havia casado e pelo hospital onde nascera seu
filho. Teria continuado perdido nos velhos tempos se sua mulher não o tivesse
alertado:
- Acorda pra vida, homem. Já são quase oito horas, tá na
hora de você ir!
Ela tinha razão, se ele saísse dali agora, teria só meia
hora pra chegar do outro lado da cidade. Era estranho, mas ele não queria ir,
não queria trabalhar. Queria ficar em casa, trocando carícias com sua mulher.
Talvez eles pudessem sair pra almoçar como nos velhos tempos, ou quem sabe
ficar em casa e assistir à uma comédia romântica embaixo da coberta. Mas não
dava. Desistiu da ideia utópica de fugir das obrigações uma vez na vida e foi à
luta. Beijou sua mulher com sua boca cafeinada como se fosse a última vez que
iria tocar aqueles lábios. Passou no espelho pra ver se estava apresentável e,
por cinco segundos, olhou fundo em seus próprios olhos. Viu que era vítima da
rotina que ele mesmo havia criado. "Mas quem não é?", pensou.
E assim, partiu pra mais um dia. Pode ter sido só mais um ou
pode ter sido o último, mas só o que importa é que foi como o planejado.