O último pôr-do-sol

- Sente esse cheiro? - Perguntou, olhando diretamente aos grandes olhos verdes de Emanuele.
- Que cheiro, Miguel? - Disse a garota.
- Esse cheiro de saudade saciada. Eu não vinha à esse lugar há muito tempo, pelo menos não em sua companhia. Desejei tanto, pedi tanto que me fosse concedido um ultimo minuto ao seu lado, com essa visão.
Lágrimas encheram os olhos do jovem, que agora estavam direcionados ao sol que se punha entre as montanhas. Apreensiva, ela tratou de secá-las, agora que rolavam pelo rosto dele.
- Nunca te vi chorando, Miguel. O que se passa? - Disse Emanuele.
De fato, nunca havia visto o garoto chorar, em anos de amizades. Virando-se à ela, ele respondeu:
- Perdão, Manu. - era o apelido carinhoso pelo qual Emanuele sempre era chamada - É que você partirá ao amanhecer, e não sei quando nos veremos de novo. Não pude evitar que meu coração gritasse e deixasse transparecer a tristeza que sinto com tua partida. Tantos anos juntos, dividindo inúmeras experiências, passando por poucas e boas... É impossível não sentir falta, e sei que sentirei, muita!
Irrompeu-se um silêncio que permaneceu alí pelos próximos cinco minutos. O sol já se punha quase por completo, e a lua começava a dominar o céu. Dia de lua cheia. Miguel costumava comparar a grande estrela com os olhos de Manu. Dizia que eles eram "uma reprodução menor e esverdeada" da lua. Manu interrompeu o silêncio:
- Solucei inúmeras vezes ao pensar em ficar longe de ti. Infelizmente, é inevitável. Consegui me acalmar quando lembrei que vou te carregar sempre comigo, no meu coração, independente da distância que nos separe. E além do mais, eu lhe escreverei, amigo, e lhe farei visitas de vez em quando.
Nenhuma palavra parecia adiantar, as lágrimas continuavam rolando pelo rosto de Miguel.
- Tá na nossa hora, Manu. Vamos! - Disse, levantando subitamente.
A garota levantou também e ficou cara a cara com ele. Os olhares se entrelaçavam e os dois pareciam hipnotizados. Ela era considerávelmente menor que ele, o suficiente para ter que inclinar a cabeça para tras na tentativa de olha-lo nos olhos quando estivessem muito pertos um do outro. Como se aquela fosse a última vez que eles iriam se ver, ele acariciou o rosto dela. Os lábios ressecados de Miguel se uniram com os grossos lábios de Manu. E ali permaneceram pelos próximos dez segundos, até o momento ser interrompido pela preocupação do jovem:
- Vamos, Manu. Tá ficando tarde, se você não voltar pra casa antes do céu escurecer completamente, seu pai me mata!
E os dois foram.

Ao amanhecer, Emanuele foi para terras distantes, e Miguel ficou. O jovem assistiu ao pôr-do-sol ali, naquele mesmo lugar, durante todos os dias de sua vida, desde a partida de sua amiga, que na verdade era sua amada. Aguardava com afinco o retorno de Manu, mas essa nunca voltou. Leu durante noites e mais noites a carta de despedida que a jovem deixara à ele antes de partir. A última carta.

E ele nunca deixou de amá-la.

2 comentários:

Unknown 15 de julho de 2010 às 13:38  

Você tem uma forma bem particular de contar a história... Envolve o leitor pela similaridade com o real... magnífico!

;D

Helder Medeiros 17 de julho de 2010 às 08:08  

Hey!
Achei seu blog, e li algumas de suas postagens, e realmente me impressionei.
São palavras muito bonitas. E sobre essa ultima postagem, acabei até me identificando um pouco
"Miguel costumava comparar a grande estrela com os olhos de Manu. Dizia que eles eram "uma reprodução menor e esverdeada" da lua."
Muito, MUITO bom, parabéns cara!
Abraços!

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“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.”