Do outro lado.

Olhava fixo para o nada, sempre com aqueles olhos preguiçosos. Lembranças de um tempo tão distante lhe passavam pela cabeça, ao mesmo tempo em que o vento forte batia em seus lisos cabelos. Pessoas passavam à sua frente, mas ele não via ninguém. Sua mente não conseguia pojetar imagem alguma, senão a de seu falecido pai.
- Papai, eu posso domir na casa do Guto hoje?
- Só se você não se esquecer de agradecer aos pais dele, filho. Ah, e não se esqueça da sua escova de dente também!
Já não era mais tão pequeno a ponto de ter que pedir a permissão do pai para dormir fora. E, mesmo depois de grande, ele continuava a tratá-lo como um eterno bebezão. Frases como "Não volte tarde hoje" e "Não ande descalço, vai pegar um resfriado" não eram nada incomuns. Nunca gostou desse jeito superprotetor do pai, mas sempre o amou profundamente. Amaria ainda mais se soubesse o que viria.
Pensava sobre a morte e que sentido ela teria senão destruir a felicidade alheia. Talvez a morte servia para nos fazer ver que certas pessoas mereciam mais o nosso valor. Preferia ter morrido junto com o "velho" naquele acidente de carro, mas tudo que conseguiu foi uma perna engessada.

De olhos fechados e braços abertos, começou a rezar. Lágrimas escorreram involuntáriamente pelo seu rosto e era como se uma orquestra inteira tocasse ao fundo, enquanto a imagem de seu pai lhe passava pela cabeça. Como se fosse uma resposta, o vento mudou completamente de direção, de leste à oeste, e pôde sentir um pingo de felicidade, estranho sentimento que não esteve mais apto à receber. Não pôde ter certeza, mas pensou que, de algum modo, aquele fosse um jeito de seu falecido pai lhe avisar que as coisas não funcionavam bem assim. Talvez ele estivesse melhor do outro lado. Talvez ele quisesse avisar ao filho que aquilo não era simplesmente o fim.

Talvez ele só quisesse dizer que coisas importantes simplesmente não têm um fim.

2 comentários:

Dayse Carolina 13 de junho de 2010 às 10:40  

Muito bonita a história (: Parabéns.

Change What 10 de julho de 2010 às 08:51  

Seus textos são inspiradores, nos tocam e emocionam , eu falo "nos" pq tem bastante gente seguindo teu blog.
Parabéns, e eu sei tbm como doi qndo uma pessoa q amamos tanto nao esta mais por perto,(mesmo que está seja uma história fictícia, ou não. Me emocionei.. Parabéns, continue escrevendo assim com o coração ;~~
Bjs

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“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.”