Boa tarde a todos!
Primeiramente gostaria de agradecer mais uma vez às pessoas que comentam aqui, me deixam muito feliz! Queria explicar também que não ando postando tanto por falta de tempo e, algumas vezes, inspiração. Queria lhes contar também uma novidade: a partir de agora, um amigo meu, Danilo Rocha, vai postar aqui no blog também. Os textos dele são ótimos, espero que gostem.
Bom, a criadora do blog Panos e agulhas na mão!, um ótimo blog pra quem gosta de moda, me deu este "selo", que tenho que repassar para outros 3 blogs. Primeiramente gostaria de agradecê-la pelo apoio, e dizer que fico super feliz por isso! Agora, os outros 3 blogs:
- Literaturando o mundo
- Aquela Música
- Versos Falsos
E é isso pessoal, em breve mais postagens.
Beijos e Abraços a todos(as)!
Aleatório - Selo de ouro
Abaixo de zero graus
Estava frio! Mas não era um frio comum, era um frio que gelava a alma, deixando claro que não mais haveria felicidade. No pequeno vilarejo, o vento soprava forte, de leste à oeste, arrastando para longe do lugar a alegria que outrora fora marca dos habitantes locais. Ontem, a paz, hoje, a dor. Nos olhos de cada um se via um trauma, um medo que já não dava mais lugar à esperança. Famintos, sedentos e descontentes. Nenhuma tempestade poderia causar tal espanto.
Ruas alagadas pelas lágrimas de cada um, e cada milímetro guardava um segredo. Boiavam, em meio aos sonhos já mortos, lembranças distantes de um tempo bom, um tempo em que o sol ainda brilhava. E veio a chuva, o céu nublado que parecia não ser mais capaz de abrir. Viam-se olhos secos, profundos, nostálgicos. Desejos de partida, disfarçados por sorrisos desdentados. Nada mais a se fazer, uma cena que amargurava o coração.
E, por mais que já fizesse calor, estavam todos frios. Mortos por dentro e, cada vez mais, por fora.
Homens bélicos
Não existiam exceções, nem mesmo ele. Lembrava detalhadamente da voracidade que queimava em seus negros olhos ao fitar o inimigo em seus pesadelos. Parecia ter o poder em suas mãos, mas sua unica posse no momento era uma arma de fogo. Não demonstrava medo, afinal, sua prontidão à luta sempre fora admirada por seus superiores. Bastou o tal dia chegar, e a realidade perfurou árduamente seus momentos ilusórios.
Nem tudo era como ele imaginava, batalhar já não era uma honra. Se antes achava estar ali por qualidades unicas, agora já se sentia como uma marionete. Para que estar ali? O perigo era muito maior do que pensou que fosse, e os motivos de toda essa guerra acontecer pareciam não existir. Por trás daquele monstro, por trás daquele desejo por sangue, a esperteza aflorava. Ele não queria simplesmente guerriar. Não lhe interessava algo que não possuísse um motivo maior. Queria mesmo era salvar alguém, uma pessoa, um grupo, uma pátria. Queria mesmo era ser herói! Mas o que ele salvaria ali? Salvaria a pele de pessoas que mandam demais para estarem em uma guerra, lutando por seus ideais.
Ignorou todos esses pensamentos revoltantes quando o inimigo atacou. Agora era matar ou morrer. Matar sem um motivo, morrer sem um motivo. Vidas e mais vidas tiradas. Familias destruidas, órfãos gerados. Durante o curto tempo que tinha entre um bombardeio e outro, tentava encontrar algo que justificasse isso tudo, que acalmasse um pouco sua mente... Kilômetros e mais kilômetros de cadáveres jogados ao solo, milhares de almas perdidas.
Ele sobreviveu à guerra. Não consegue se lembrar de muita coisa, de que lado jogava ou quem eram seus companheiros. Não consegue mais diferenciar realidade de imaginação. Quer gritar, expor algo que mal sabia o que é. Acorda sem a mínima vontade de abrir os olhos, abrir a janela e ver que outras guerras estão sendo travadas, todos os dias. O mundo se foi, ele é apenas um agora.
"Por favor, Deus, me ajude, me acorde, me liberte."
Não existiam exceções. Não existem exceções. Existem humanos cada vaz mais desumanos.
Ele e a cidade.
A sola do seu antigo all-star maltratava o áspero asfalto sempre que ele dava mais um passo, e adicionava mais um kilômetro, metro ou centímetro à sua vida. A desgastada vida que levava desde que saiu de casa, procurando independência e pensando poder usufruir do livre-arbítrio. Não demorou muito até descobrir que o mesmo não existe, não sempre.
A sede de revolução, o desejo de mudança, a necessidade de evolução! A igualdade não é uma realidade, mas os jovens sonham. E têm o excesso de energia suficiente para confrontar aqueles que defrontam suas fantasias.
Já passava da meia-noite e ele desfilava sozinho pelas ruas, revoltando-se contra o atual e desigual estado. Desigualdade, algo que nunca suportou. Em sua cabeça, milhares de pessoas o seguiam, inovando e transformando uma série de injustiças. Incorporava o clima, debatia, ameaçava, gritava!
Para um ganhar, alguém tem que perder. Inaceitável condição capitalista, consolidando riqueza excessiva para uns e usando outros como forma de lucro. Suas desculpas não condizem! Direitos iguais, não é isso que eles dizem?
Quase vencendo a guerra, se lembrou que era hora de descansar. Sua imaginação se apagou quase que instantaneamente. Procurou algum lugar tranquilo e tentou dormir. Agora sim ele poderia sonhar sem ser visto como um louco.
Afinal, todos sonham, mas poucos são aqueles que buscam transformar o sonho em realidade.
Amanhã ele terá uma nova revolução para começar.
O último pôr-do-sol
- Sente esse cheiro? - Perguntou, olhando diretamente aos grandes olhos verdes de Emanuele.
- Que cheiro, Miguel? - Disse a garota.
- Esse cheiro de saudade saciada. Eu não vinha à esse lugar há muito tempo, pelo menos não em sua companhia. Desejei tanto, pedi tanto que me fosse concedido um ultimo minuto ao seu lado, com essa visão.
Lágrimas encheram os olhos do jovem, que agora estavam direcionados ao sol que se punha entre as montanhas. Apreensiva, ela tratou de secá-las, agora que rolavam pelo rosto dele.
- Nunca te vi chorando, Miguel. O que se passa? - Disse Emanuele.
De fato, nunca havia visto o garoto chorar, em anos de amizades. Virando-se à ela, ele respondeu:
- Perdão, Manu. - era o apelido carinhoso pelo qual Emanuele sempre era chamada - É que você partirá ao amanhecer, e não sei quando nos veremos de novo. Não pude evitar que meu coração gritasse e deixasse transparecer a tristeza que sinto com tua partida. Tantos anos juntos, dividindo inúmeras experiências, passando por poucas e boas... É impossível não sentir falta, e sei que sentirei, muita!
Irrompeu-se um silêncio que permaneceu alí pelos próximos cinco minutos. O sol já se punha quase por completo, e a lua começava a dominar o céu. Dia de lua cheia. Miguel costumava comparar a grande estrela com os olhos de Manu. Dizia que eles eram "uma reprodução menor e esverdeada" da lua. Manu interrompeu o silêncio:
- Solucei inúmeras vezes ao pensar em ficar longe de ti. Infelizmente, é inevitável. Consegui me acalmar quando lembrei que vou te carregar sempre comigo, no meu coração, independente da distância que nos separe. E além do mais, eu lhe escreverei, amigo, e lhe farei visitas de vez em quando.
Nenhuma palavra parecia adiantar, as lágrimas continuavam rolando pelo rosto de Miguel.
- Tá na nossa hora, Manu. Vamos! - Disse, levantando subitamente.
A garota levantou também e ficou cara a cara com ele. Os olhares se entrelaçavam e os dois pareciam hipnotizados. Ela era considerávelmente menor que ele, o suficiente para ter que inclinar a cabeça para tras na tentativa de olha-lo nos olhos quando estivessem muito pertos um do outro. Como se aquela fosse a última vez que eles iriam se ver, ele acariciou o rosto dela. Os lábios ressecados de Miguel se uniram com os grossos lábios de Manu. E ali permaneceram pelos próximos dez segundos, até o momento ser interrompido pela preocupação do jovem:
- Vamos, Manu. Tá ficando tarde, se você não voltar pra casa antes do céu escurecer completamente, seu pai me mata!
E os dois foram.
Ao amanhecer, Emanuele foi para terras distantes, e Miguel ficou. O jovem assistiu ao pôr-do-sol ali, naquele mesmo lugar, durante todos os dias de sua vida, desde a partida de sua amiga, que na verdade era sua amada. Aguardava com afinco o retorno de Manu, mas essa nunca voltou. Leu durante noites e mais noites a carta de despedida que a jovem deixara à ele antes de partir. A última carta.
E ele nunca deixou de amá-la.
Agorafobia.
"Eu lhe explicaria, se soubesse como. Era como se algo fosse me acontecer sempre que eu estivesse longe. Afetava o meu dia-a-dia completamente, como se eu nunca mais fosse voltar ao normal. As pessoas já estavam me vendo como um estranho. Era difícil me socializar por vontade, a aflição me preenchia, me comia vivo. E foi por isso que eu larguei o mundo, e o mundo consequentemente me largou. Eu só queria ficar dentro.
Nunca parei de observar o que acontecia lá fora, como as pessoas se moviam cada vez mais rápidas, como o mundo evoluía, ou pelo menos achava que evoluía. Vocês já repararam como as pessoas costumam fazer a mesma coisa, todos os dias, inconscientemente? E por mais horrível que pareça, todos caem nessa rotina. É realmente raro achar alguém que escape dela. Eu não posso dizer que sou um desses pois não sou. Meus dias eram todos iguais. Absolutamente todos! Eu só me preocupava com uma coisa: ficar dentro.
Eu nunca ousei. Sempre fui um sonhador, mas nunca ousei. Não ousei porque eu não poderia ousar, nem se quisesse. Algo me prendia, como fortes correntes. Puxavam meu pé, sempre. Por mais livre que eu fosse, nunca pude usufruir de liberdade. Ás vezes penso como minha vida seria se eu tivesse aproveitado as chances. Mas tinha essa corrente, sabe? Meu subconsciente, minha prisão. Lá fora não era pra mim, e por isso eu estava dentro. Eu sempre fiquei dentro.
Algo me diz que hoje é o meu ultimo dia. Já estou velho, já estava mais do que na hora. Se realmente for, partirei sem medo. Ao menos eu gostaria de me orgulhar de algo. Ao menos eu gostaria de realizar algo, sabe? Mas tudo bem, nem eu vou ser em vão. Pelo menos pude me controlar com minha falta de controle, e eu vou continuar dentro.
Dentro de casa."
Onze mil portas.
Em uma certa manhã de lua cheia, um triste sorriso estampava os olhos do Senhor Ninguém. Desenhava com desdém a silhueta de uma mulher sem corpo e, de vez enquando, olhava pelo vidro da janela esperando que alguma luz passasse por entre as carregadas nuvens claras. Nada fazia sentido, nada parecia ter forma, e o destino tão incerto sobrecarregava suas costas. Um pássaro branco entrou rastejando pela porta, o teto pareceu tremer enquanto o chão se abria abaixo de seus pés. Como num pesadelo horrível, o final feliz estava longe de ser atingido. O céu negro matava qualquer esperança de que os sonhos que tivera na noite passada pudessem se tornar realidade algum dia. E aquela eterna madrugada nunca terminava, nunca tinha um fim. Caía, com o pincel na mão, sem mais saber aonde estava ou pra onde iria. Por quem? Pra quem? Por que? Onze mil portas estavam em volta dele e cada parte do seu corpo parecia querer uma. Optou pela do meio, com medo do que viria. Por quem ele procurava? Por que ele continuava? Pra quem ele queria mostrar que ainda podia servir para algo? Ó, a loucura! Finalmente abriu a porta da loucura! E entrou, clareando o céu de seu próprio mundo, trazendo falsa alegria ao seu morto sorriso, vivendo algo que não existia. Tinha certeza de que viver sozinho seria melhor. Sempre soube que aquele mundo não era pra ele. Ah, a calma! Finalmente pôde desfrutar da calma que é não ter que se preocupar com o que está no mundo real. Se entregou e pôde dormir, sob a linda escuridão do sol em plena meia-noite.
Por algo melhor.
Estremeça, enlouqueça, abale as estruturas de uma sociedade toda (mal)organizada. Modifique, mortifique todos os princípios injustos, todas as justiças que julgam o que é certo e o que é errado.
Mostre, demonstre o que devemos ser à quem não sabe lidar com situações precárias e delicadas.
Triture, pulverize qualquer tipo de preconceito.
Reconstrua, desenvolva novos conceitos a serem seguidos, e guie o mundo como um labrador guia um deficiente visual.
Cuide, sustente quem não tem capital suficiente pra viver decentemente nesse mundo onde o dinheiro vale mais que qualquer outra coisa.
Exclua, expulse qualquer tipo de risco àqueles que querem mudar.
Mude, recomece, por você e por todos.
Abra sua mente e mostre ao mundo suas idéias utópicas.
Seja livre. Seja você.
Seja o que o mundo precisa.
Seja mais.
Seja.
Do outro lado.
Olhava fixo para o nada, sempre com aqueles olhos preguiçosos. Lembranças de um tempo tão distante lhe passavam pela cabeça, ao mesmo tempo em que o vento forte batia em seus lisos cabelos. Pessoas passavam à sua frente, mas ele não via ninguém. Sua mente não conseguia pojetar imagem alguma, senão a de seu falecido pai.
- Papai, eu posso domir na casa do Guto hoje?
- Só se você não se esquecer de agradecer aos pais dele, filho. Ah, e não se esqueça da sua escova de dente também!
Já não era mais tão pequeno a ponto de ter que pedir a permissão do pai para dormir fora. E, mesmo depois de grande, ele continuava a tratá-lo como um eterno bebezão. Frases como "Não volte tarde hoje" e "Não ande descalço, vai pegar um resfriado" não eram nada incomuns. Nunca gostou desse jeito superprotetor do pai, mas sempre o amou profundamente. Amaria ainda mais se soubesse o que viria.
Pensava sobre a morte e que sentido ela teria senão destruir a felicidade alheia. Talvez a morte servia para nos fazer ver que certas pessoas mereciam mais o nosso valor. Preferia ter morrido junto com o "velho" naquele acidente de carro, mas tudo que conseguiu foi uma perna engessada.
De olhos fechados e braços abertos, começou a rezar. Lágrimas escorreram involuntáriamente pelo seu rosto e era como se uma orquestra inteira tocasse ao fundo, enquanto a imagem de seu pai lhe passava pela cabeça. Como se fosse uma resposta, o vento mudou completamente de direção, de leste à oeste, e pôde sentir um pingo de felicidade, estranho sentimento que não esteve mais apto à receber. Não pôde ter certeza, mas pensou que, de algum modo, aquele fosse um jeito de seu falecido pai lhe avisar que as coisas não funcionavam bem assim. Talvez ele estivesse melhor do outro lado. Talvez ele quisesse avisar ao filho que aquilo não era simplesmente o fim.
Talvez ele só quisesse dizer que coisas importantes simplesmente não têm um fim.
Algo pessoal.
Viver.
Quero dizer: viver? O que seria viver?
Não sei, mas muita gente me diz que é nascer, crescer, completar a escola, a faculdae, achar alguém legal, ser reconhecido profissionalmente, ter filhos, ter netos, morrer. E aí, o que faz disso especial? Viver não é algo especial, algo divino? Então isso não é viver. Talvez só viva quem consegue aquele "algo mais". Talvez um dia esse "algo mais" lhe apareça e você nem vai perceber. Talvez ele apareceu, você percebeu, mas acabou deixando-o escapar por entre seus dedos. Como eu fiz.
Eu quero dizer, não é fácil se sentir especial, não é algo que acontece toda hora. Eu só queria dar um conselho para as pessoas que estão se sentindo assim, especiais: Veja o que é o seu "algo mais" e defenda-o com unhas e dentes. Não deixe isso escapar, pois nada mais vai lhe fazer sentir algo parecido.
Se eu soubesse disso antes, se eu tivesse alguém para me dar esse conselho, seria tudo melhor.
Agora tudo que me aguarda é: uma cama, um cobertor, um travesseiro e o frio.
O mundo artificial de plástico.
O despertador soou, já era hora de se levantar.
Alto, Olhos castanhos, cabelos compridos e bem escuros. Assim era ele. Habilidade estrondosa com escrita, além de “arranhar” com talento, todos os dias, seu violão de 12 cordas. Sofreu de depressão na adolescência e esteve preso ao vício de certas drogas ilícitas. Nem por isso desistiu daquele mundo. Um mundo podre, já jogado na amargura eterna do desperdício. Um total estrago causado pelo homem. Não digo o mundo puro, como era desde os primórdios. Esse sempre foi belo, uma vez que não sofria as interferências irracionais causadas pelo ser que se considera racionalmente superior aos outros. Digo o mundo atual, sem inocência, sem beleza, sem pureza, sem o que se aproveitar, enfim.
Levantou-se, finalmente, e reparou algo estranho logo à primeira vista. Pela janela, soava o doce canto dos pássaros, algo inexplicavelmente raro de se acontecer. Ali, em seu apartamento no 13º andar de um dos prédios mais altos da cidade, não se costumava ouvir nenhum sinal vindo da mãe natureza. Mas, dessa vez, era diferente. Tentou ignorar esse simples acontecimento e se arrumou para ir comprar o pão de cada manhã. Ao sair de casa, outra surpresa. Nada de automóveis altamente poluentes pelas ruas. O máximo que se via eram crianças andando de bicicleta. Não teve tempo de se preocupar com isso. O baque maior veio ao ver um bosque no lugar do, agora extinguido, shopping da cidade. Não conseguindo acreditar no que via, esfregou bem os olhos. Talvez estivesse apenas sonhando, talvez estivesse apenas tendo uma ilusão, vendo o mundo como ele achava que deveria ser. Mas, ao abrir novamente os miúdos olhos, o bosque continuava ali, intacto. Continuou seu caminho até a padaria. O que mais poderia acontecer?
Mas não houveram mais surpresas. Rafa, como era chamado pelos poucos amigos que tinha, voltava para casa, já com seu saco de pães fresquinhos na mão. O susto lhe pegou novamente, ao ver que seu prédio já não estava mais ali. Em seu lugar, apenas um enorme terreno malcuidado. O que estava acontecendo ali? Agora sim, se via realmente desesperado. Será que o mundo que ele tanto odiava esta simplesmente mudando? Isso era bom, era ruim? As pessoas iriam enlouquecer ainda mais? Ou será que elas conseguiriam viver em harmonia novamente? Um caos ainda maior ia tomar conta disso?
Antes que pudesse obter suas respostas, O despertador soou.
Já era hora de se levantar. O mundo real o chamava.
Um espelho para o sol.
Caminhava pelos cantos, com medo de ser atropelado. Já estava andando à dias, e não chegava. Não chegava nunca! Parecia que o destino simplesmente havia desaparecido. Suas pernas não podiam mais suportar o peso de seu corpo. Seus olhos refletiam o brilho de uma mente genial ofuscada pela fadiga. O problema ali não era como ser. Era o que ser.
Continuou, cambaleando, seu caminho. Nem se importava mais em pedir carona, pois, se lhe dessem, teria que explicar para onde ir. E ele não sabia. Nunca soube. Seguia algo que não seria capaz de explicar. Seguia algo maior. Seguia sua sombra.
Faminto, pensou em desistir tantas vezes. Não importaria se o tivesse feito, ninguém sentiria falta. Mas ele, desistir? Era contra as regras do jogo. Sob o canto dos pássaros e os ruídos dos carros que passavam, ele prosseguia. Não procurando um fim, não procurando mais um destino. Se procurando.
Completamente perdido, fingia saber o que estava fazendo. fingir pra quem? Era ele contra o resto do mundo. Sua decepção aumentava a cada milha acumulada. Sedento. Faminto. Fatigado.
Su visão se embaçou e, depois de lutar muito contra a tontura, caiu. Um baque só, era disso que ele precisava. Um forte baque. Finalmente chegara ao seu destino. Nada lhe faltava mais. Ah, o tão merecido descanço eterno!
O vendedor de conselhos
O coração saltava-lhe à boca. Nunca fora desequilibrado quanto à assuntos emocionais, mas dessa vez se via perdido. Tantas outras passaram pelo seu caminho, tantas ainda poderiam vir. Mas agora ele se sentia preso. Tinha algo mais. Tinha algo mais ali, com aquela garota, algo que estava além de seu limitado compreendimento. Entre tantas amantes, porque aquela, justo aquela, tinha lhe chamado tanta atenção? A pobre garota nunca fora namoradeira, era uma moça de família. Seus cabelos cacheados balançavam ao vento, seus olhos brilhavam como os de uma criança e seu sorriso mostrava que ele teria que mudar por ela. Com medo desse sentimento, foi procurar Otávio, o vendedor de conselhos:
- Otávio, eu não sei o que fazer. Me sinto tão atraído por uma garota, eu nunca me prendi a alguém assim! O que devo fazer? Que sentimento é esse?
Otávio não exitou:
- Ora, meu garoto, isso é só o amor. O verdadeiro e único amor! Algo que vai lhe fazer sofrer, lhe fazer chorar. Algo que vai lhe fazer sorrir, lhe fazer feliz, lhe fazer bem. Isso é o amor, cirança. Um paradoxo eterno. Algo que vai fazer você se sentir único. Abra o coração, jovem. Abra o coração para sua amada! Diga-lhe as palavras que tens de dizer e leve-a ao lugar mais bonito que estiver ao alcance dos dois. Apenas ame-a e você vai entender cada palavra que lhe disse!
Querido diário,
Hoje, não lhe escreverei. Acontece que houve um imprevisto, um desvio de destino. Meu coração foi caminhar, e não encontrou o caminho previsto. Viu milhares de possibilidades de, talvez, encontrar um lar. Mas não seria o meu lar. Então, preferi ficar perdido, entre vários caminhos, e não ir à lugar algum. Eu simplesmente fiquei, desolado, procurando o caminho dela. Entre tantos perfumes, não achei meu favorito. Entre tantos sorrisos, nenhum que me tirasse do sério, como o dela fazia. E é só o que me resta. Eu, deitado nessa cama, durmo. Meu corpo vai descansar e amanhã estará pronto para enfrentar a árdua rotina que a sociedade e a falta do "algo mais" nos proporciona. Mas meu coração, esse continua lá, em repouso, sem saber por qual caminho seguir. Meu corpo sorrirá amanhã. Sim, sorrirá por pura convenção. Mas sem brilho. Esse, por sua vez, está pronto para voltar à minha boca. É só ela querer. Mas você, meu querido diário, você que acompanha isso de perto, responda-me: Será que, algum dia, ela vai querer ver o brilho de meu sorriso outra vez? Será que é só passageiro, ou será que meu coração não vai poder voltar pra casa? Ele não está pronto para mudar de vizinhança, mas a rua que leva ao seu lar está interditada.
E é por isso, querido diário, é por isso que não lhe escreverei hoje. Pois as palavras sairiam pensadas demais, sem emoção alguma. Quando meu coração encontrar o caminho de volta, prometo que os primeiros sentimentos que saírem dele estarão registrados aqui. Só não posso lhe garantir que meu coração conseguirá passar por essa dura missão. Eu torço.
Só mais uma prece
Era uma tarde de Abril de 1945 quando Romeu decidiu rezar. Sempre fora um homem religioso, mas dessa vez eram outros motivos que o deixavam de joelhos. Não rezava por dinheiro ou sucesso. A essa altura do campeonato, tinha muito mais com o que se preocupar. O tempo lhe era curto, então teria que ser o mais breve possível. Começou:
-"Senhor, tenho a completa consciência de que não sou eu quem deve decidir quem vive e quem morre, mas não tenho muitas escolhas. Aqui, é matar ou morrer, e ninguém quer optar pela segunda opção, mesmo que a primeira seja torturante. Não lhe peço para poupar-me. Se tiver que ser minha vez de partir, assim será. Apenas lhe imploro que poupe meus filhos da tristeza que é batalhar por algo que você sabe que não vai compensar. Lhe imploro que faça com que as pessoas possam ver que isso não passa de um suicído global. Porque, no fim, ninguém sai ganhando, ninguém sai glorioso e muito menos sem danos. Sabendo que o senhor vai ouvir minha prece, me retiro esperançoso. Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo, Amém."
Foi à guerra.
Insônia (3)
Pelo lado de fora da janela ele observava, assustado, o casal se amando. Nunca achou que eles fossem capazes de tal frieza. Ofegantes, os dois se enchiam de prazer sem sequer desconfiar que não estavam completamente sozinhos. Ah, se ela tivesse ao menos olhado para a janela! Benjamin continuava a observar a cena. Perplexo, não sabia o que pensar ou o que fazer. Não sabia se intervia ou se esperava para ver até que ponto aquilo chegava. Não aguentou muito. Ao ver os dois completamente nus, deu meia volta e voltou para casa. As lágrimas escorriam por sua pele áspera, mas não estava triste. Não, aquele era outro tipo de sentimento. Era raiva, angústia. Quem o visse agora diria que se tratava de um fraco. Benjamin, porém, era exatamente o oposto. Não chorava desde a morte de seu pai, quando tinha apenas 9 anos de idade, e raramente perdia o equilíbrio. Nunca ficara assim, tão desiludido. Sabia que o casamento não estava indo tão bem, mas nem sequer imaginava que Clara fosse capaz de tal barbaridade. Pensou em ligar para sua mãe, pensou em ligar para sua esposa, mas nada fez. Esperou. Olhou para o relógio e os ponteiros marcavam 22:54. Apesar de tudo, estava caindo de sono. Prometeu à si mesmo que não deixaria isso assim. Vingança.
Insônia (2)
Enfurecido, não hesitou ao cravar o facão de seu tio-avô no lado esquerdo do peito de Augusto. Nunca fora assim, tão inconsequente, mas amava sua mulher acima de tudo e de todos. Clara era a única pessoa que o fazia agir de forma inusitada e inesperada, mas nunca pensou que algum dia chegaria à esse extremo. Obsessivo: a melhor palavra para definir Benjamin. Não importava o quão amigo Augusto sempre fora. Tudo fora em vão. A tragédia estava alí e, em pouco tempo, viria o remorso. E veio.
Tudo seria diferente agora. Sem mulher e sem amigo, sozinho estava. A sala de estar nunca tinha se tornado um cômodo tão obscuro, ou, no mínimo, incômodo. Se não fosse pela inoportuna noite em que descobrira tudo, nada disso teria acontecido. Ele não teria que aguentar o fardo de saber e, agora, não teria que agir como agiu. Num momento de tensão mesclado com lágrimas, a luz se apagou. O vento forte soprou janela adentro e uma visão distorcida de sua vida lhe passou pela cabeça. Nada servia agora. Os anos que passou estudando não lhe ensinaram a lidar com situações como essa. O tempo em que passou trabalhando em sua clínica não lhe mostrou como agir diante disso.
No escuro, torcia para simplesmente ser acordado por Clara e ouvi-la dizer "Acorda, querido, tá tudo bem! Foi só um pesadelo!". Mas a luz voltou e, com ela, o medo.
Insônia
Amedrontado, pensava em algum jeito de contornar aquilo. Nunca estivera em alguma situação parecida antes. Diante do cadáver, que agora exalava um cheiro horrível, não conseguia encontrar soluções para o problema. Desejava que o tempo fosse mais flexível. Desejava poder mudar o passado, mas não podia. Prendeu a respiração e colocou o morto em seus ombros. Na cozinha, espreitou pela janela se havia algum sinal de vida na casa ao lado. As luzes apagadas indicavam sinal verde. Avançou. Já no quintal, ouviu um barulho vindo do interior de sua casa: a campainha. Desesperado, correu frenéticamente. Seu corpo se arrepiou inteiro em fração de segundos, e seu coração disparava acelerado. Secou algumas gotas de suor frio que lhe escorriam pelo rosto e abriu a porta do hall de entrada. Era a Dona Célia da casa da frente, uma senhora simpática, que cuidava dos netos enquanto sua filha trocava o trabalho por mais uma garrafa de vodka. Com ar de espanto, a velhinha, que trajava um pijama xadrez, se apressou em perguntar:
-Está tudo bem? Ouvi gritos que pareciam vir daqui.
Benjamin logo respondeu:
-Está tudo certo, deve ter sido um de meus gatos.
Nem sequer gatos o jovem tinha. Ao ver que Dona Célia se afastava, voltou para o quintal. Pronto para terminar o "serviço", mais um espanto: Não conseguiu encontrar o cadáver. Procurou por todo o lote, mas não consegui encontra-lo. Desistiu.
Nunca mais conseguiu dormir.